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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Menores infratores

    Assistindo ao semi-jornal matutino do SBT vi o caso de PMs acusados de imporem penas alternativas à menores apanhados em delito e a primeira coisa que me ocorreu foi a censura imposta ao comentário da Rachel Sheherazade há cerca de um ano. Agora porém a apresentadora teve uma postura mais politicamente correta de condenar a postura dos policias e exigir a sua punição. Em uma sociedade aonde o Estado não convence os seus cidadãos de que é capaz de lhes oferecer o mínimo necessário é simplesmente natural que o cidadão busque alternativas e é isso o que se vê seja no domínio dos morros cariocas pelo tráfico seja na postura dos policiais neste caso.
    Mas a esquerda prefere continuar chamando adolescente barbado de criança (ainda me lembro de há algum tempo atrás durante mais uma mobilização para a redução da idade penal para 16 anos uma profusão de anúncios em ônibus com imagens de crianças anunciando que se queria transformar prisões em creches) e censurar jornalistas no lugar de propor uma discussão séria sobre o tema. Aliás, quem viu o comentário da Rachel Sheherazade sabe bem que ela defendia exatamente o mesmo que eu: que o Estado convença a sociedade de que prende os jovens infratores de forma que não seja visto como NECESSÁRIO pela sociedade que seja feita justiça com as próprias mãos.
    Neste cenário não é de estranhar de que PMs convencidos de que seu trabalho é inútil ora se corrompam ora sejam o juiz e o carrasco.
    Enquanto se pedir da vítima uma paciência quase monástica e se negligenciar a prisão do infrator por sempre se considerá-lo ora vítima da sociedade ora plenamente imaturo (imaturo para arcar com os próprios erros mas plenamente maduro para casar e constituir família ou votar) continuaremos ora lamentando a insegurança nas ruas e a morte de amigos e parentes ora transformando os policiais que apelam em infratores.

Evandro Veloso Gomes


terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Mercadão do ensino

     Hoje vi um anúncio de metrô de uma faculdade anunciado uma mensalidade de uns R$150 e ao chegar no trabalho outra anunciava na TV uma mensalidade de R$99. Como eu há mais de dez anos atrás pagava com bolsa parcial em uma faculdade quase de fundo de quintal R$303 esses números me chamaram a atenção. Por isso, resolvi fazer umas continhas sem nenhuma pesquisa prévia.
Suponha uma mensalidade 'alta' de R$200, uma sala com 30 alunos, quatro horas de aula, vinte dias de aula por mês e oito meses de aula no ano:

 - R$200 x 30 = R$ 6000 por sala por mês
 - R$6000 / (4 * 20) = R$6000 / 80 = R$75 por aula

     Se destes R$75 por aula uns 10% forem a margem de lucro da escola (R$ 7,50) e uns 25% o custeio da estrutura física, limpeza e secretaria (R$ 18,75) estamos falando que, em teoria, sobraria para o professor R$48,75 por aula. Eu pago R$200 para fazer francês com professor particular na casa dele e dou o dinheiro na mão dele (ou seja, sem nenhum imposto nem despesa com alimentação ou deslocamento) por quatro aulas semanais o que dá R$50 por aula LÍQUIDO.
    Não é à toa que já no meu tempo os professores dessas universidades eram quase todos profissionais fracassados ou em fim de carreira.

Evandro Veloso Gomes

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Ainda teremos de ‘sim, mas…’ - Tradução do Artigo de Gérard Biard para o Charlie Hebdo feita por Evandro Veloso Gomes

    Faz uma semana que o Charlie, um jornal ateu, realiza mais milagres que todos os santos e profetas juntos. Dos quais somos os mais orgulhos é que vocês tem em mãos o jornal que sempre temos feito, na companhia daqueles que sempre o fizeram. O que mais nos tem feito rir é que os sinos de Notre-Dame soaram em nossa honra…. Faz uma semana que o Charlie levanta pelo mundo bem mais que montanhas. Faz uma semana, como havia adivinhado maravilhosamente Willem, Charlie fez inúmeros novos amigos. Anônimos e celebridades planetárias, humildes e ricos, descrentes e dignatários religiosos, sinceros e jesuítas, amigos que nós guardaremos por uma vida e amigos que estão apenas de passagem. Hoje, nós os levaremos todos, não temos tempos vontade de fazer uma triagem. Nós não somos tão bobos. Nós agradecemos de todo coração, dentre os milhões, quer sejam simples cidadãos ou que encarnem as instituições, que estão verdadeiramente ao nosso lado, que sinceramente e profundamente “são Charlie”. E queremos sinceramente que o resto se foda.
    Uma questão, ainda assim, nos atormenta: será que veremos enfim desaparecer do vocabulário político e intelectual o palavrão “fundamentalista laico”? Será que vão parar de inventar circunvoluções semânticas acadêmicas para qualificar igualmente os assassinos e suas vítimas?
    Nos últimos anos, nós nos sentimos um pouco sós, tentando empurrar com pinceladas a porcaria livre e as sutilezas pseudo intelectuais que nos jogavam na cara, e na cara de nossos amigos que defendiam firmemente a laicidade: islamofóbicos, cristofóbicos, provocadores, irresponsáveis, jogadores de óleo no fogo, racistas, vocês procuraram,… Sim, nós condenamos o terrorismo, mas… Sim, ameaçar de morte os cartunistas, isso não é legal, mas… Nós escutamos tudo, e nossos amigos também. Nós costumamos tentar rir, porque é o que fazemos melhor. Mas nós gostaríamos muito, agora, de rir de outra coisa. Porque agora tudo vai recomeçar. O sangue de Cabu, Charb, Honoré, Tignous, Wolisnki, Elsa Cayat, Bernard Maris, Mustapha Ourrad, Michel  Renaud, Franck Brinsolaro, Fréderic Boisseau, Ahmed Merabet, Clarissa Jean-Philippe, Philippe Braham, Yohan Cohen, Yoav Hattab, François-Michel Saada não tinha nem secado quando Thierry Meyssan explicava no Facebook que se tratava, evidentemente, de um complô judo-americano-ocidental. Nós já escutamos isso, aqui e ali, as finas bocas fazerem beicinho diante do protesto do último domingo babando pelo canto dos lábios os eternos argumentos tentando justificar, abertamente ou baixinho, o terrorismo e o fascismo religioso, e se indignando, entre outros, que se celebrem os policiais = SS. Não, neste massacre, não há mortes menos injustas que outras. Franck, que foi morto no Charlie e todos os seus colegas mortos durante esta semana de barbárie foram mortos por defenderem idéias que, talvez, não fossem nem as suas.
    Nós vamos ainda assim tentar ser otimistas, ainda que não seja o momento. Nós vamos esperar que à partir deste 7 de janeiro de 2015 a defesa firme da laicidade seja óbvia para todo mundo, que enfim termine, pela postura, por cálculo eleitoral ou por covardia, de legitimar ou mesmo tolerar o comunotarismo e o relativismo cultural, que só abre espaço para uma coisa: o totalitarismo religioso. Sim, o conflito Israel e Palestina é uma realidade, sim, a geopolítica internacional é uma sucessão de manobras e de truques sujos, sim, a situação social dos, como se diz “populações de origem muçulmanas” na França é profundamente injusta, sim, o racismo e a discriminação devem ser combatidos sem descanso. Felizmente existem várias ferramentas para tentar resolver estes graves problemas, mas eles são inúteis se faltar uma: a laicidade. Não a laicidade positiva, não a laicidade inclusiva, não a laicidade seja-lá-o-que-for, a laicidade ponto. Só ele permite, porque ela defende o universalismo dos direitos, o exercício da igualdade, da liberdade, da fraternidade, da irmandade. Somente ela permite a plena liberdade de consciência, liberdade, liberdade que negam, mais ou menos abertamente segundo seu posicionamento marqueteiro, todas as religiões desde que elas saíram do terreno da intimidade estrita para descerem à vida política. Somente ela permite, ironicamente, aos que acreditam, e aos demais, de viverem em paz. Todos os que pretendem defenderem os muçulmanos aceitando o discurso totalitário religioso defendem de fato seus executores. As primeiras vítimas do fascismo islâmico são os muçulmanos.
    As milhões de pessoas anônimas, todas as instituições, todos os chefes de estado e de governo, todas as personalidades políticas, intelectuais e midiáticas, todos os dignatários religiosos que, esta semana, proclamaram “Eu sou Charlie“ devem saber que isso também significa “Eu sou a laicidade“. Nós estamos convencidos que, para a maior parte de nossos apoiadores, isso é claro. Nós deixamos os demais irem à merda com isso.
    Uma última coisa, importante. Nós gostaríamos de mandar uma mensagem ao Papa Francisco que, ele também, “é Charlie“ esta semana: nós não aceitaremos que os sinos de Notre-Dame soem em nossa homenagem for o Femen que os fizer vibrar.